Muito
se fala sobre a aplicabilidade da Lei 8.213 de 24 de julho de 1991 que
regulamenta a contratação de deficientes físicos. Referida lei dispõe no artigo
93 que as empresas com 100 ou mais empregados estão obrigadas a preencher de
dois a cinco por cento dos seus cargos com beneficiários reabilitados, ou
pessoas portadoras de deficiência, respeitando a proporção que consta no próprio
artigo.
A
título exemplificativo, uma empresa que conta com 3 mil empregados na sua base
(verificada através da emissão do Caged), deverá contratar 150 pessoas
portadoras de deficiência física. É preciso levar em conta, ainda, que a multa
imposta no caso de não preenchimento da cota é elevada e, regra geral, acaba
comprometendo o caixa da empresa, para não dizer todo o seu provisionamento e,
dependendo da sua estrutura e situação financeira atual, o prejuízo pode ser de
tal monta que resulte no encerramento de suas atividades. Portanto, é preciso
que a questão referente ao cumprimento da cota seja analisada de forma ampla,
levando em consideração não apenas a obrigatoriedade da pessoa jurídica de
direito privado, mas, também, a importância da inclusão do deficiente físico na
realidade da empresa através da existência de planos específicos de inclusão,
bem como a obrigação do Estado em prover condições que viabilizem o cumprimento
da cota.
Quanto
ao desafio da inclusão, merece destaque a necessidade do deficiente de superar
suas barreiras pessoais decorrentes da limitação física, independente do grau de
comprometimento que a mesma traz. Tais barreiras vão desde a dificuldade pessoal
do deficiente físico proveniente da baixa auto estima, além do estado depressivo
que em muitos casos o atinge e, deste modo, tira dele o ânimo para superar suas
limitações o que, inevitavelmente, resultará na desistência de suas funções
profissionais. Além da questão pessoal, as barreiras também são aquelas que
dizem respeito à arquitetura da empresa, bem como da falta de acessibilidade do
deficiente, além do baixo nível de escolaridade, dentre outros
fatores.
Tudo
isso dificulta, para não dizer que impede a efetiva contratação de deficientes
físicos, mas, além da contratação, são fatores que vão contra a permanência do
deficiente como empregado da empresa que o contratou, razão pela qual o processo
de inclusão deve inserir todos os empregados que com o deficiente físico estejam
envolvidos, a fim de proporcionar uma conscientização geral de todos os seus
colaboradores.
Um
estudo recente feito pela Delegacia Regional do Trabalho (DRT-SP) aponta que das
7,7 mil empresas que necessitam cumprir a cota no Estado de São Paulo, com a
obrigação de contratar de 2% a 5% de funcionários com deficiência, apenas 4 mil
tiveram condições de efetivar a contratação. Outro dado importante é que 35,7
mil já foram contratados, mas, para que a lei seja cumprida, esse número tem de
chegar a 132 mil indivíduos empregados. Ou seja, em tese, há quase 100 mil vagas
no mercado.
O
outro aspecto que deve ser destacado é quanto à obrigação do Estado em
participar de todo este processo de inclusão, buscando, ao lado da iniciativa
privada, oferecer opções para que a cota de deficientes seja preenchida.
Refiro-me a medidas que vão desde o estabelecimento de parcerias com empresas
direcionadas para este fim, acompanhando efetivo do Estado sobre o cumprimento
das medidas direcionadas, gestão do Governo Estado sobre tais medidas e, em
última análise, a imputação de responsabilidades ao órgão estatal pela
inobservância de tais preceitos. Doutra banda, se o Estado fiscaliza o
cumprimento da cota através de procedimentos realizados pela DRT-SP (somente no
primeiro trimestre de 2014 foram 2.694 empresas foram alvo da fiscalização), há
também que exercer sua função social, proporcionando medidas que tornem possível
a contratação, e não visando unicamente a arrecadação que decorre da aplicação
da multa imposta pelo não cumprimento, em torno de R$ 1,1 mil por pessoa não
contratada.
Daí
porque a participação do Estado no cumprimento da cota é obrigatória e a ele
compete em primeiro lugar conferir efetividade ao disposto na Lei 8213/1991,
estabelecendo planos específicos de ação que possam permitir a inclusão do
deficiente físico e, com isto, tornar o cumprimento da cota em uma realidade
possível.
Seguindo
esta premissa, merece destaque a atuação do Poder Judiciário, tendenciosa em
aceitar os pedidos formulados nas ações ajuizadas perante a Justiça do Trabalho,
para que seja anulada a determinação de pagamento da multa aplicada pelo não
cumprimento da cota, quando for demonstrado que a empresa dispendeu de todos os
esforços para que tal preenchimento acontecesse.
Neste
contexto, decisões recentes foram proferidas neste sentido, como ocorreu, por
exemplo, em decisão proferida recentemente pela juíza da 62ª Vara do Trabalho de
São Paulo que, tendo recebido como garantia o valor referente à multa imposta,
determinou o cancelamento do auto de infração. E nem se diga que se trata de uma
forma de burlar o cumprimento da lei, mas, sim, de exigir do Estado que
participe ativamente de medidas que viabilizem o cumprimento da lei, ou que o
texto legal seja alterado de forma a tornar o cumprimento da cota uma realidade
aceitável tanto para a iniciativa privada, como para o próprio deficiente
físico.
Alessandra
Rúbia de Oliveira Magalhães é advogada, professora de Direito do Trabalho e
Direito Processual do Trabalho em cursos preparatórios para concursos
públicos.
Fonte: Revista
Consultor Jurídico, por Alessandra Rúbia de Oliveira Magalhães,
17.08.2014
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